Amizades

Os Limites da Vida (Tributo a uma amiga)

Por 15 de maio de 2011 Sem comentários

Nesta semana reencontrei uma amiga. Amiga querida a quem sou muito grata.

Com ela aprendi a receber bem as pessoas, na minha casa. Aprendi a deixar os hóspedes livres e a vontade. Aprendi a servi-los bem na medida do possível. Aprendi que hospedar é trabalhoso, se gasta mais dinheiro, tempo e energia. Mas também se conhece melhor e estreita os laços de amizade criando uma atmosfera de mais intimidade. Aprendi a cuidar mais de mim mesma. A me vestir melhor, sem gastos exagerados, que possam comprometer meus compromissos financeiros. Aprendi a ser mais sensível e investir em pessoas. Ela investiu em minha própria vida. E não mediu esforços e sacrifícios para que eu tivesse uma formação universitária (na minha adolescência eu estava trabalhando para sobreviver) de acordo com minha vocação. Por causa disto posso viver melhor nos dias atuais. Enfim, esta é uma amiga que muito me deu e muito me influenciou.

Chorei muito neste reencontro. Ainda choro quando me lembro. Ela sofreu um derrame e teve muito de sua visão comprometida. Não sei qual é a porcentagem da sua perda, mas é muito mesmo. Na reunião do nosso reencontro ela relatou com desespero e agonia seu desejo de voltar a ver. E contou-nos sua dificuldade daquele dia: precisava caminhar num pedaço de calçada que era todo irregular, com muitas saliências. Ela estava só e não conseguia enxergar. Chamou pelo marido que não pode socorrê-la; chamou por uma amiga que não teve condições de atendê-la ao telefone. Enfim ela teve que devagar percorrer todo aquele trajeto, mesmo com o pavor de cair. Em casa, trombou com a moça que a auxilia nos serviços caseiros e bateu de frente com uma parede.

Não estou escrevendo porque vejo minha amiga como uma coitada. Não vejo assim, mas a vejo com alguém vítima das limitações que o envelhecer vai trazendo exigindo de cada um, uma readaptação na vida. Minha amiga ainda tem muitas coisas vivas e é só com estas que ela pode viver e ainda desfrutar algo da vida. Ela tem descoberto que precisa depender. Que já não pode sair sozinha. Que vai precisar de bengala. (E ela é tão elegante que com certeza a bengala dela será a mais linda). A não ser que aconteça mais um milagre dos céus na terra. E pode acontecer.Mas escrevo porque seu relato e sua necessidade em se adaptar a nova situação onde sua visão está limitada, me levou a revisar toda minha vida. Melhor, me levou a olhar de perto meus limites, hoje. O quanto terei que me adaptar. Já tenho. O quanto terei que lidar com a solidão. Às vezes tão real nesta fase da vida, quando os mais jovens, inclusive os filhos e parentes próximos, simplesmente cuidam da própria vida. Às vezes, é só uma sensação do só dentro da alma que também dói até chegar as lágrimas.

Muito obrigada, amiga. Você continua me ensinando e com isto, ao contrário do que está acontecendo na realidade do seu corpo, você vai ficando cada vez mais viva no meu coração e na minha memória.

Escrevi o texto acima em 15 de maio de 2011. Hoje, 22 de fevereiro de 2016, a minha amiga, Neide Dudus Spacov, nos deixou. Quer dizer, não teremos o seu corpo entre nós, mas terei  para sempre  presença dela no meu coração e na minha memória. 

E por providencia divina, coube a mim passar com ela, como acompanhante na UTI, as ultimas horas da sua vida aqui. Presenciei e participei da sua agonia. Nenhuma posição na cama, onde se submetia a hemodialise, era confortável. Eu queria ajudar. Queria diminuir sua angustia. Ela se agoniava pela falencia, agora acelerada, de todos seus órgãos vitais eu me agoniava pela impotência de fazer tão pouco. Acariciei sua testa, sua cabeça e ela expressou: “Gostoso!”  Então falei o que veio no meu coração: “Neide você está indo para CASA. Tenta se acalmar. Se você conseguir se acalmar você chegará bem mais rápido e la na CASA todo este mal estar terá fim.” Ela acenou, afirmativamente, com a cabeça. E como era chegada o termino do tempo que me foi permitido ficar ali, me despedi e sai.

Duas horas depois, recebo a notícia de que eu tinha sido a ultima pessoa do circulo de amigos e parentes, que tinha estado com ela ainda em vida. 

Ela foi, mas deixou em mim muito dela. e eu só posso dizer entre lágrimas: “Aguarde por mim. Logo eu chego ai na CASA…

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